Incêndios: um grande pedrógão no nosso sapato.
Foi há cinco dias que os
portugueses assistiram ao inferno vivido em Pedrogão Grande e ainda é difícil
de acreditar. É ainda mais difícil de aceitar sem que as nossas entranhas se retorçam
de repulsa pelo sucedido e o nosso peito sincope de simpatia pelos concidadãos,
apesar desse analgésico poderoso a que chamam passagem do tempo.
Além do incrível e sublime
fenómeno da Natureza, que faz questão de nos relembrar sempre de tempos a
tempos da nossa fragilidade, foi ainda mais chocante, desolador, desalentador observar
a impotência e inoperância do Estado, das nossas autoridades de socorro e
prevenção, que têm todo o direito a falhar, mas não por negligência, não por
falta de organização e planeamento, neste caso, do ordenamento do território e
de meios técnicos e humanos, da criação de um sistema integrado de prevenção e
intervenção, tendo sempre em vista o bem comum. Princípios estes que deveriam
estar à cabeça da sua declaração de interesses, mas que, vez após vez, são sempre
ignorados por esse traço de caráter cada vez mais português, a inércia.
Para além da patente falta de
organização, falta de comunicação e falta de um plano cabal de intervenção para
estes casos, evidenciado pela desorientação do comando das operações no terreno,
que não deve ser visto como uma das causas do problema, mas como um sintoma,
pois que o problema encontra-se mais a montante, como foi dito atrás, é de
realçar o amadorismo genuíno do nosso corpo de bombeiros nacional. São os que
mais arriscam e os que menos responsabilidades têm. Arriscam a sua vida de
forma completamente altruísta, a troco de quase nada. Vivem de donativos
particulares e esmolas institucionais.
É inconcebível não se pensar num
corpo nacional de bombeiros profissionalizado quando se pensa num plano de
prevenção nacional de incêndios e intervenção de combate a incêndios destas proporções
gigantescas — para não falar já num plano de prevenção e intervenção contra
terramotos. Ninguém aceitaria que o combate ao crime e o exercício da segurança
pública fosse levado a cabo por amadores de fim de semana, em part-time;
ninguém confiaria em tal medida, apesar do louvor moral que merece a
graciosidade de tal gesto.
É também difícil de entender como
pode um país como o nosso, com elevado risco de incêndios sazonais, viva
constantemente a pedinchar tarde e a más horas meios, nomeadamente aéreos, de
combate aos fogos aos nossos pares da União Europeia. É certo que existe um
fundo de emergência para catástrofes e um corpo solidário de meios técnicos e
humanos próprios para fazer face a estas situações, mas isso não nos demite da
responsabilidade de fazermos o nosso próprio trabalho de casa.
No entanto, não deixa de causar estranheza
que sejamos o país que mais beneficie destes mecanismos, que mais vezes tenha
recorrido a esta solidariedade como se fossemos sempre apanhados de surpresa;
como se o risco de incêndios florestais no Verão fosse uma novidade para o
nosso país; o que revela preocupantemente uma enorme falta de interesse em
resolver essa praga.
De um outro ângulo, assistimos à
multiplicação de donativos às corporações de bombeiros, mediatizados nas redes
sociais digitais, que são sempre bem-vindos, mas que fará com que os nossos soldados
da paz se perguntem onde é que andou toda esta boa vontade, quando andaram eles
a mendigar esmolas nos semáforos vermelhos antes de tudo isto acontecer, de
maneira que pudessem reforçar a sua capacidade de combate. Não é agora à pressa
que irão comprar mais material ou contratar mais efetivos que façam a
diferença. O desastre, lamento, mas já foi.
Também o Estado, mais uma vez de
consciência pesada, afrouxará os cordões à sua bolsa e investirá dinheiro na
região afetada e até agora esquecida, como todo o interior de Portugal o é. À
semelhança do que aconteceu na região de Entre-os-Rios, é necessário sempre uma
tragédia para que este se lembre que suas obrigações e deveres se estendem a
toda a população. O Estado não é senão um contrato, um seguro social de
partilha do risco que a vida implica e partilha dos custos de serviços que
tornam a vida menos desagradável para todos sem exceção.
E essas obrigações devem estar sempre
presentes, num plano central legislativo e executivo nos mais variados níveis,
que englobe principalmente aqueles que estão mais expostos aos riscos e aos
custos de uma situação como esta. É um dever cujo incumprimento perante
qualquer cidadão não pode ser desculpável, mesmo neste Estado de brandos e
moles costumes.
Por último, não pode servir também
de desculpa a força brutal da natureza. Ela só pode ser invocada quando se
cumpre com todos os deveres e esgota todas a possibilidades de prevenção e
combate ao alcance dos homens. Esta atitude de inércia que propiciou a
desorganização e a inoperância, por mais catastrófico que possa ser um evento
natural, não pode ser aceitável e encarada como natural, um traço do caráter
português.
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